"Estar entre as noventa e nove ovelhas, é viver a experiência do mútuo amor e da comunhão no Espírito. É o pastor que nos une neste lugar.... Viver em comunidade implica olhar para o outro e deixar que o outro te olhe, e isso nos faz querer fugir."
Nosso fundador, Padre Fábio Lima, nos disse, profeticamente, uma vez: “o deserto é o nosso lugar”. Num primeiro momento foi só “amém e aleluia”, mas admito que meu coração ficou inquieto, pois logo o deserto?
Certamente, num lugar onde a missão seja, “ser voz de Deus no deserto das vidas”, não poderíamos e nem deveríamos estar em outro lugar que não fosse o deserto. Mas é necessário entender, que no deserto da vida dos outros, nós apenas passeamos e visitamos. Porém, habitamos no deserto da nossa vida interior, habitamos no deserto fraterno e habitamos no deserto de Deus. Dói e incomoda pensar, mas é parte da nossa vocação. Deus me fez entender melhor como o meu lugar é o deserto, em outras palavras, Ele me mostrou que o meu lugar é entre as noventa e nove. “Quem de vós, tendo cem ovelhas e perder uma, não abandona as noventa e nove no deserto e vai em busca daquela que se perdeu, até encontrá-la?” (Lc 15, 4) Temos o costume e não é errado de sempre ler esta passagem, e nos colocar no lugar da ovelha que ficou para trás, cujo pastor com todo seu amor vai atrás para nos trazer de volta nos ombros. Mas o Senhor me fez perceber que, embora, muitas vezes tendo sido a ovelha foragida, o meu lugar era ali no deserto. Parece pesado quando o evangelho diz que as noventa e nove ovelhas foram “abandonadas” no deserto, não é mesmo? Pois, haja coragem em abandonar ou deixar só ao ponto das ovelhas entrarem em desespero na ausência do pastor, e por conta de uma foragida, todas saírem correndo. Jesus, enquanto pastor, sabe que isso não aconteceria. Por quê? O deserto é este lugar seguro. Não parece, mas é. Falando brevemente da ovelha fugitiva. Todos temos por vezes vontade de sair correndo ,não é mesmo? As primeiras experiências no deserto nos assustam. Olhar para todas aquelas ovelhas, pode se tornar por vezes entediante, amedrontador ou confuso. Pode gerar briga, pode dar a sensação de que o pastor não dá a devida atenção à todas. “Se existe consolação na vida em Cristo, se existe alento no mútuo amor, se existe comunhão no Espírito, se existe ternura e compaixão, tornai então completa a minha alegria: aspirai à mesma coisa, unidos no mesmo amor; vivei em harmonia, procurando a unidade.” (Fl 2,1-2) Estar entre as noventa e nove ovelhas, é viver a experiência do mútuo amor e da comunhão no Espírito. É o pastor que nos une neste lugar. Lá no evangelho de São João, vai nos dizer que “as ovelhas ouvem a sua voz e ele chama suas ovelhas uma por uma e as conduz para fora” (v. 3). Poderíamos ser ovelhas de campos, poderíamos ser ovelhas de outros rebanhos, outras realidades, ou até então “livres” sem um pastor. Mas é para o meio das noventa e nove que somos chamados. Nós somos nosso maior empecilho para bem viver no deserto. Viver em comunidade implica olhar para o outro e deixar que o outro te olhe, e isso nos faz querer fugir.
Estar num grupo de pessoas - quando não estamos bem resolvidos com quem somos, em que as nossas potencialidades e a nossa obra – isso pode gerar disputa. Se não for uma disputa declarada, será uma disputa em nosso inconsciente. Não saber lidar com o defeito do outro ou estar interiormente sempre se comparando, admitir para si mesmo que talvez tenha inveja do irmão. Tudo isso pode prejudicar o amor mútuo. A dificuldade em lidar com o outro nos coloca sempre em posição de agressores velados de vítimas. O que te faz fugir do rebanho? Sua experiência com o pastor? Sua experiência com as ovelhas? Suas experiências passadas consigo mesmo? O pastor, para nos colocar em seu rebanho, tira-nos da zona do comodismo. Tira-nos de nós mesmos. Como diz o evangelho, que o pastor chama duas ovelhas “e as conduz para fora”. O Senhor não nos conduz apenas para fora de uma realidade de vida que nos fere, mas para fora de nós mesmos. Para fora daquilo que nós moldamos sozinhos em nossa identidade. Se nós fugirmos do rebanho, é porque não estamos ouvindo com atenção a voz do pastor. Ele está ali nos conduzindo, mas nós estamos caminhando sozinhos, estamos juntos ao rebanho, mas ao mesmo tempo muito distantes. É necessário converter a nossa posição e abraçar nossa história de salvação. Se Deus te chamou a um rebanho, entenda que seu lugar não é mais fugindo para ser resgatado. O Senhor nos chama todos os dias, nos acaricia, nos conduz e se necessário nos resgata. Mas tudo isso pode continuar acontecendo ali, junto ao rebanho, não precisamos fugir para querer nos sentirmos cuidados e olhados. Se olharmos para uma imagem de ovelhas, parece que são todas iguais, pois estar no lugar onde o Bom Pastor nos colocou, nos molda para que sejamos semelhantes, não iguais. Se cada um de nós, individualmente foi gerado conforme a imagem e semelhança de Deus, quando vivemos conforme a condução da Voz de Deus, vivemos de fato a imagem e semelhança de Deus, individualmente. Mas, quando estamos em unidade, quem olha de fora percebe essa semelhança entre todos a ponto de dizer que são todos iguais, pois se formos todos formados semelhantes àquele que é um, então seremos todos um só. Mas, estar entre as 99 não significa ser idêntico à ovelha do lado, precisamos entender o nosso processo e o processo do outro, saber que há diferenças e que nesta diferença é onde Deus nos faz um e que assim, podemos de maneira confortável estar no lugar que Deus escolheu para estarmos. Falando um pouco mais do abandono. Sabe porquê Jesus não se preocupa em nos abandonar no deserto para ir atrás das ovelhas que deixaram de reconhecer sua voz? Porque ele confia em nós. Se Deus é fiel, ele espera também a nossa fidelidade. Ele é fiel ao dizer “vou ali buscar seu irmão e já volto” e espera nossa fidelidade para ficarmos ali esperando.
Descobri, nesta experiência comunitária, que o deserto é o lugar seguro. Se nós vivemos no deserto, sendo conduzidos pelo pastor, nós escutamos tudo o que a voz dele nos diz, logo sabemos viver por ali. Pois, já fomos formados e moldados para viver ali e o deserto é mais seguro para nós do que qualquer outro lugar para onde possamos fugir.
Nosso lugar não é estar sozinhos, andando por aí, tentando encontrar um novo pastor. É onde o pastor nos chama, no meio das outras noventa e nove com quem devemos compartilhar nossas alegrias e tristezas, entre elas que devemos diminuir para que Ele cresça.
Entre as noventa e nove é a nossa morada. O lugar das noventa e nove é no deserto, sendo voz do pastor que tanto nos conduziu e que foi resgatar outras ovelhas, aguardando o retorno do pastor. O nosso lugar é no deserto.
Bruno Aparecido
Discípulo
Comunidade Católica Instrumento de Deus
Comments