A Pergunta de Jesus a respeito de João Batista ecoa em nossos corações:
“O que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? O que fostes ver, então? Um homem vestido com roupas luxuosas? Mas os que estão revestidos de tais roupas vivem nos palácios dos reis. Então, por que fostes para lá? Para ver um profeta? Sim, digo-vos eu, mais que um profeta. É dele que está escrito: Eis que eu envio meu mensageiro diante de ti para te preparar o caminho. (Mateus 11, 8-10).
Na narrativa de Lucas a respeito dos fatos que envolveram o nascimento de Jesus, temos o nascimento de João Batista e percebemos que ele esteve no deserto desde sua tenra idade. “E o menino crescia e se fortalecia em espirito. Ele vivia nos lugares desertos, até o dia em que se apresentou publicamente a Israel”. (Lucas, 1,80).
A tradição identifica o local onde João cresceu como o eremitério de São João no deserto, também chamado de 'Ain el-Habis' (fonte do eremita) localizado no centro dos montes da Judeia, cerca de 3 km de Ein Karem, local do nascimento de São João. Foi no deserto que o povo de Israel encontrou Deus na sua jornada do Egito para a Terra Prometida.
O profeta Isaías declarou que a salvação futura seria anunciada por uma “Voz de quem clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as veredas para ele.”
(Isaias 40,3-4; Lucas 3,2-4).
Foi neste deserto que João foi escondido, cresceu e se desenvolveu, para tornar-se o maior de todos os filhos nascidos de mulher, o profeta que uniu o antigo ao novo testamento, a voz de Deus que clamava no deserto: aplainai os caminhos do Senhor, provocando mudança na vida de todos os que o ouviam.
João pregava um Batismo de conversão, apresentava a oração, a penitência, a caridade como meios para preparar a todos para acolher ao Messias, que seria apontado pelo próprio Joao Batista como o Cordeiro de Deus que que tira o pecado do mundo, que não era digno de desatar as suas sandálias, e que depois batizaria a humanidade com o fogo no Espirito Santo (João 1).
É curioso perceber que tanto João Batista quanto Jesus, antes de iniciarem a sua missão profética estiveram no deserto, e ali puderam experimentar algo que somente situações extremas poderiam lhes proporcionar, passaram fome e sede, frio a noite e calor extremo durante o dia, derrubaram todas as proteções para se encontrarem consigo mesmo, com sua fragilidade humana mas também com um Deus que é um Pai providente, que traz o necessário mesmo nas situações mais extremas. No deserto João Batista teve de aprender a se alimentar de mel silvestre e gafanhotos, a cobrir-se com peles de animais (Mateus 3,4), enquanto Jesus foi servido pelos anjos após 40 dias de penitência e de vencer as tentações do demônio no deserto. (Mateus 4,11).
Sempre que Deus nos chama a um deserto tem uma missão para desempenharmos, Deus não nos chama à toa para o deserto, mas se usa deste deserto como instrumento para que possamos concentrar a nossa vida naquilo que realmente é necessário.
A escassez nos ensina muito, nos ensina a sermos gratos, a aprendermos a viver com aquilo que realmente precisamos, nos ensina a sermos corresponsáveis uns com os outros compartilhando do pouco que temos, por sabermos o quanto faria falta não termos nada. O deserto prepara a nossa alma para as grandes realizações nos trazendo humildade, nos fazendo depender totalmente de Deus, diante de nossa fragilidade e pobreza. O deserto nos traz uma alegria nova, decorrente dos benefícios que conseguirmos, mesmo que antes estes benefícios nos pareciam tão pequenos, uma sombra, um prato de comida, um copo de água, a chegada ao local de destino, após passarmos pelo deserto estas pequenas conquistas ganham um sabor especial.
O deserto nos arremete a lugar ermo, seco, sem vida, mas também é bonito perceber, que mesmo nos desertos mais áridos a vida se manifesta de maneira surpreendente, nos brindando com flores raras. Precisamos aprender da natureza e florescer aonde estamos plantados.
Talvez percebamos a nossa história pessoal, ou momento atual como um grande deserto, e temos a atitude de esperar que o entorno mude para que possamos um dia nos tornar alegres, felizes e realizados. Mas a verdade é que nem sempre é possível mudar as coisas ao nosso redor, aliás temos pouca ou nenhuma influência sobre fatores que estão fora de nós...uma resposta melhor talvez seja aquela dada por Viktor Frankl (psicanalista que viveu no campo de concentração) em seu livro Sede de Sentido: “Quando não podemos mais mudar uma situação, somos desafiados a mudar a nós mesmos”.
Não se trata de diminuir dificuldades que vivemos, sobretudo se podemos fazer algo a respeito, mas se trata de não se esquecer que Deus, mais do que ninguém, sabe que estamos no deserto e até os nossos cabelos estão contados (Lucas 12,7). Trata-se de saber que o próprio deserto pode ser o “método” usado por Deus para preservar a nossa vida eterna.
O próprio Jesus orou: “Pai não peço que os retire do mundo mas que os livre do maligno”(João 17,15) talvez o que precisemos seja mudar a liturgia de nossa oração e ao invés de olhar para a aridez do que nos acontece, o que nos dá espaço à murmuração e ao desespero, possamos mudar a nossa atitude e criar e inovar para que sejamos capazes de dar uma resposta diferente diante dos desafios e antes mesmo de sair do deserto, entender o que a voz de Deus quer me dizer: Qual é a grande transformação que deve ocorrer em minha vida, que somente através deste deserto Deus pode me proporcionar? Podemos mudar de lugar, de convivência, de emprego, mas do que adianta mudar o entorno se continuarmos os mesmos?
Que possamos utilizar os desertos de nossa vida como uma jornada, para que possamos florescer aonde estamos plantados, reverberando a voz de Deus em nós, voz de Deus que clama...que grita: aplainai os caminhos do Senhor, pois ele vem para nos encontrar!
Isaac Fernandes
Vocacionado ao Caminho
Comunidade Católica Instrumento de Deus
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