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Foto do escritorBruno Aparecido

A Habitação de Cristo

"Nós não ficamos bons para seguir Jesus Cristo, é justamente por seguir Jesus Cristo que ficamos bons. Nada é mérito humano, Deus não se faz presente nas coisas humanas, mas nas coisas divinas, em mim e em você. Basta dar este espaço, completo, de mortificação total, de abnegação da própria autonomia, para que Deus passe a reconstruir tudo aquilo que é do projeto original de Seu coração."


Nós comungamos Jesus na Sagrada Eucaristia, nós comungamos espiritualmente e pedimos que o Espírito Santo desça sobre nós, dizemo-nos templo do Espírito.


Desejamos intimidade com Deus. Mas até que ponto?


São anos (na maioria dos casos) para que a pessoa humana consiga descobrir sua verdadeira identidade. E, livremente, seus gostos, sonhos, estado de vida, vocação, lugar de onde morar, pessoas com quem se relacionar, tudo aquilo que interfere nossa identidade e constitui o fluxo de nossa existência humana.

É trabalhoso construir tudo isso, mas na vida cristã, entendemos que é em Cristo que devemos encontrar nossa essência, Ele deve ser o princípio, o meio e o fim de nossas vidas.


Mas chega um momento, que a vida com o sagrado precisa ser firmada e tudo aquilo que construímos em nossa história “fica pra jogo”, ou seja, está na mesa pra pegar, largar, ou perder. A pergunta central nesta reflexão é: Até que ponto, você permitiria que Cristo habitasse em você?


“O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, o Senhor do céu e da terra, não habita em templo feitos por mãos humanas. Também não é servido por mãos humanas, como se precisasse de alguma coisa, ele que a todos dá vida, respiração e tudo mais. De um só ele fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, fixando os tempos anteriormente determinados e os limites de seu hábitat. Tudo isto para que procurassem a divindade e, mesmo se às apalpadelas, se esforçassem por encontrá-la, nos movemos e existimos, como alguns dos vossos, aliás, já disseram:
‘Porque somos também sua raça’.
Ora, se nós somos de raça divina, não podemos pensar que a divindade seja semelhante ao ouro, à prata, ou à pedra, a uma escultura da arte e engenho humanos.
Por isso, não levando em conta os tempos da ignorância, Deus agora notifica aos homens que todos e em toda parte se arrependam, porque ele fixou um dia no qual julgará o mundo com justiça por meio do homem a quem designou, dando-lhe crédito diante de todos, ao ressuscitá-lo dentre os mortos.”
Atos dos Apóstolos 17, 24-31

Certa vez, um frei de uma congregação mariana me contou sobre o processo formativo para quem entra na congregação. Dizia-me que aqueles que pedem para iniciar na obra, como vocacionados, recebem o desafio de adorar Jesus Eucarístico. Que desafio não? Mas não é simples assim. Eles são levados ao deserto, ali o Santíssimo é exposto, e eles passam uma semana adorando Jesus no deserto. Nesta experiência, eles vivem graus de mortificação. Primeiro, a mortificação física, dos sentidos táteis e térmicos. O deserto é muito quente durante o dia e muito frio durante a noite, e os irmãos se revezam para adorar a Jesus 24 horas seguidas durante 7 dias. Em seguida, a mortificação intelectual. Chega um momento que dizem que você começa a duvidar que é Jesus presente na eucaristia. Mortificar a sabedoria, o intelecto, as certezas humanas. Depois, a mortificação da vontade. Porque você deixa de querer estar ali, você deseja tudo menos adorar Jesus no deserto sem cessar. Mas precisa estar.


Os irmãos que conseguem bem viver esta experiência, ainda no período vocacional, estes sim adentram para a congregação, e vivem sua consagração a Deus. É preciso antes de tudo conseguir adorar Jesus no deserto.


O evangelista Lucas deixa bem claro que Deus não habita naquilo que foi feito por obras humanas. Mesmo sendo onipresente, a face de Cristo não está naquilo que o ser humano cria e constrói. Deus se faz presente apenas em Sua criação. Assim como a beleza dos céus ao amanhecer, no cantar dos pássaros ao longo do dia.

Deus limitou sua habitação na terra, em tempo, lugares e manifestações. E tendo-Se limitado, deixou à nós a responsabilidade de procurar pelo Senhor que se manifestou. Procurar “sua santa habitação”. Ainda mais, limitou-Se neste mundo para se manifestar e ser Reconhecido em tudo aquilo que o próprio Deus originou, principalmente os que foram gerados conforme à Sua Imagem e Semelhança.


Mas, como diz o evangelista no livro dos Atos do Apóstolos, nós - gerados conforme à imagem e semelhança de Deus - somos de raça divina. O Cristo era todo homem e todo Divino, Deus nos deu a vida por primeiro (desde Adão e Eva) como homens, semelhantes ao Divino, com uma semelhança perdida e manchada pelo pecado original, mas ainda assim, destinados a viver junto ao Divino. ‘Porque somos também sua raça’.

“Deus revela-Se e dá-Se ao homem. E fá-lo revelando o seu mistério, o desígnio benevolente que, desde toda a eternidade, estabeleceu em Cristo, em favor de todos os homens. Revela plenamente o seu desígnio, enviando o seu Filho bem-amado, nosso Senhor Jesus Cristo, e o Espírito Santo.” (CIC 50)

E não há outro caminho para o reencontro com o Sagrado senão reordenar nossa vida, afastados da culpa original, com olhar fixo em Jesus.

Deus nos espera em sua justiça. Como diz a canção do Monsenhor Jonas Abib: “Que a santidade da minha vida apresse o Senhor E Ele logo virá”. Há uma certeza para a manifestação de Deus, que é a volta de Jesus, mas para isso, e até que aconteça, Deus deverá habitar em nosso meio através de nós, e é necessário viver em plena comunhão com Deus, permitindo-se ser esta santa habitação do Senhor. Como diz o apóstolo São Paulo “Reencabeçar tudo em Cristo” (Ef 1,10).


Para viver uma vida sendo a santa habitação de Cristo, é necessário viver uma consagração em santidade, e a Igreja nos ensina que a santidade é medida conforme a Esposa corresponde ao dom do Esposo com o dom do Amor (CIC 70). E é importante entendermos como foi que Cristo amou a Igreja: “Deu-se todo não reservando nada para si” (São João Crisóstomo).

Quando trouxe a experiência dos vocacionados que adoram Jesus no deserto, e junto disso, cada tipo de mortificação vivida, foi para dar uma representação singela da decisão de corresponder ao amor Divino na mesma intensidade.

A mortificação e a renúncia nos aproximam de Deus porque, ao praticá-las, nos afastamos do orgulho e nos esforçamos em ser felizes com a finalidade de adorar a Deus.

Como perguntava anteriormente: Até que ponto, você permitiria que Cristo habitasse em você?


Deus nos fez, sim, com muitos dons e talentos, para vivermos com uma forma física (da qual devemos cuidar), temos responsabilidades morais, sociais e cívicas das quais devemos corresponder, mas nada disso é o mais importante, o importante é viver na união com Cristo, sendo para Ele, Santa habitação.

Você aceitaria viver as mortificações do sentido, da vontade e da intelectualidade para que apenas Jesus se fizesse presente em sua vida? Você aceitaria não ter mais a autonomia, a liberdade - como a conhecemos - para que apenas Deus te conduzisse? E se Jesus habitasse em você de forma tão grande, que sua identidade, vontades, sonhos, imagem, a maneira como as pessoas te conhecem, diminuísse de tal forma a ponto que somente Cristo fosse visível na sua existência humana.


Loucura, não? Talvez, seja algo exclusivo para os santos escolhidos.


Quando comecei a refletir sobre isso tudo, entendi, que eu desejava pouco (quase de forma errada) ser um consagrado de Deus. Pois não mortificava, não deixava Cristo transfigurar nada em minha existência. Vivia de migalhas. De cura em cura, de conversão em conversão. Eu mesmo impedi - com a desculpa de que eu ainda estava no processo - a habitação de Cristo na minha vida.

Mas devemos entender que, se formos capazes de renunciar a si próprio - não apenas no pecado, que é onde mais utilizamos a reflexão da renúncia - mas em cada momento e situação, a ponto de desejar apenas aquilo que Jesus tem pra mim, aí sim, Cristo começa a habitar em meu ser, e me torno um só com o Sagrado.

Nós não ficamos bons para seguir Jesus Cristo, é justamente por seguir Jesus Cristo que ficamos bons. Nada é mérito humano, Deus não se faz presente nas coisas humanas, mas nas coisas divinas, em mim e em você. Basta dar este espaço, completo, de mortificação total, de abnegação da própria autonomia, para que Deus passe a reconstruir tudo aquilo que é do projeto original de Seu coração.

“Quando eu nada quis, eu tudo tive” (São João da Cruz)


Aprendemos com a Igreja que lutamos contra os espíritos diabólicos, o espírito humano e o espírito do mundo. O Espírito humano é o mais difícil de todos, pois é justamente a liberdade em si próprio, ou seja, estar presos à própria identidade não assumindo total confiança de si a Deus, e não correspondendo ao dom do Esposo com amor e semelhante dom, é ainda mais difícil e o que mais pode nos levar de volta à culpa original, agindo como deuses de nossa própria história.

Só é possível comunicar Jesus, depois de tê-Lo formado em nós. Quando nos tornamos habitação de Cristo.


Bruno Aparecido

Vocacionado do Discipulado 2

Comunidade Católica Instrumento de Deus

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